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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

outra vez a sífilis ou a gonorreia.




Para não variar demasiado, os donos da comunicação social, o jornalismo de merda e os seus especialistas convidados decidiram outra vez pelos portugueses quais são as suas duas opções. 

A escolha que eles propõem, também para não variar, é outra vez entre a sífilis e a gonorreia. (não imagino por que obscuros e bizarros processos de breinssetormingue mentecapto é que eles chegaram a esta sugestão de escolha se, entre as várias outras opções possíveis também havia o escorbuto, a peste negra, a febre amarela, a diarreia incontinente e até, imaginem, a vida simples, digna e decente).

Para isso organizaram e promoveram com trombetas e violinos “o grande debate”, um combate definitivo, uma espécie de grande final tira-teimas.

Claro que também organizaram, durante toda a santa tarde, um grande pré-match onde as mais rutilantes vedetas do jornalismo de merda, acolitadas por igualmente renomados especialistas convidados, foram comentando os prognósticos antecipados até ao pentelho esmiuçando até ao nervo e esburgando até ao osso as tácticas e as estratégias dos colossos que, à noite, iriam dirimir, ao vivo e a cores, a temática da problemática que, para eles, tanto desinquieta os portugueses.

É óbvio que depois do grande match, pla noite dentro, também fizeram o pós-match, onde os mesmos especialistas de merda protagonizaram penosos, redundantes e intermináveis debates para aferir qual dos formidáveis antagonistas tinha afinal vencido o pleito.


É claro que não vi. Nem o pré-match, nem o match, nem o pós-match. Estive a ler (A época da caça, Andrea Camilleri, sempre inteligente e entranhadamente divertido). Por isso não faço a menor ideia, nem tenho a mínima curiosidade, de saber qual foi o vencedor apurado em tal concílio de especialistas da vida sórdida. Já sei que fui eu que perdi. Eu e a imensa minoria dos que preferiam apenas uma vida simples, digna e decente.


sábado, 3 de fevereiro de 2024

O “património” dos figueirinhas ou os ratos do palácio


 

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Os figueirinhas, e os pacóvios em geral, têm com o património público a mesma relação que o poeta franciú Baudelaire dizia que os merceeiros têm com a honestidade. Trata-se de algo que lhes interessa imenso – mas só desde que seja possível abifar bastos dividendos. O senso-comum dos pacóvios, e dos merceeiros, não compreende a importância do conhecimento do passado para o entendimento de seja o que for; nem sequer a substância do conceito de entendimento. A História não tem, para eles, qualquer valor que lhes interesse por aí além. Aliás, como a Cultura. E a honestidade, claro. Excepto, como é óbvio, se o objecto, o local, o edifício, o tesouro gastronómico, a tradição folclórica, etc., tiver real (se é que me entendem) interesse turístico.

Vem isto a propósito da alardeada alegria do bom-povo que foi em esfuziante romaria automóvel à inauguração das obras de restauro do Convento de Seiça. Segundo o inacreditável periódico português New in Town (a imprensa portuguesa também está cada vez mais sei lá, fagueira e sofisticada) o Mosteiro “está como novo” - que é exactamente como se espera que esteja um mosteiro beneditino do século XIII e como o bom-povo e os merceeiros gostam. Só faltam mesmo as “acessibilidades” (os projectistas não as previram, ou os fundos europeus não bastaram) mas virão certamente, bem como um parque de estacionamento, privado claro, a toda a volta do complexo.

Todos estão muito agradecidos aos políticos que tornaram possível a inauguração do nóvel “equipamento” para o qual, aliás, já foi anunciada para breve muita “animação” e toda a sorte de “eventos” (os pacóvios e os merceeiros adoram “eventos” e “animação” e tal). Os políticos também estão todos muito contentes e orgulhosos, limparam muito bem as mãos à parede, elogiando-se imenso uns aos outros pla obra-feita e, como não podem nunca parar de mentir (senão espantam a caça) também elogiaram o “povo”, “que sempre lutou pelo seu “património”. Este não se descoseu (o momento era solene, à frente pontificava o suaxelência o presidente da república em pessoa, Santana ao centro e, em fundo, a filarmónica do Alqueidão) e riu com ainda mais dentes – para não estragar a festa nem destoar na foto, para a posteridade, em que os políticos e os merceeiros se ficaram a rir com os dentes todos.

A verdade é que - salvo pouquíssimas pessoas, facilmente identificáveis - o “povo” nunca lutou porra nenhuma pelo “seu” património. A não ser que “lutar pelo património” seja assistir a tudo em modo sentadinho e caladinho, pose alarve e atitude indiferente ou resmungando em voz passiva à usura do tempo e do abandono, ao saque, à rapina, à pilhagem sistemática de tudo o que fosse transportável (azulejos, pedras talhadas, colunas, pias, pequenas esculturas) e à destruição também metódica e voluntariosa de tudo o resto.

Ora se os merceeiros e os pacóvios dedicam o mesmo desprezo despeitado e interesseiro ao património público, também não é mentira que votam ambos um igual respeitinho, atávico, quase religioso, à propriedade privada. A prova disso mesmo é que nunca - jamais – a integridade do convento de Seiça foi beliscada enquanto pertenceu, primeiro a uma ordem religiosa e depois até ao “ateu confesso” que fez dele um próspero descasque de arroz e até uma fundição. Só depois de abandonado é que o convento se converteu no pardieiro que todos conhecemos.

Eu moro em Maiorca onde existe um palácio do século XVII. Uma vasta propriedade, da baixa nobreza rural, que chegou incólume ao final do século XX, sempre não mãos da mesma família possidente. Sobreviveu, sem um beliscãozinho, a todo o século XVIII, às guerras liberais do  século XIX, à revolução de 1910, que implantou a República, a todo o século XX e ao pequeno sobressalto revolucionário do 25 dAbril. Só se transformou no pardieiro que é hoje depois de adquirida pela Câmara Municipal, num dos derradeiros anos do século XX. De início ficou logo à mercê do saque e da pilhagem permitidos ou “autorizados” pela gestão desmiolada da nova tutela; depois foi entregue à “usura do tempo” que são os trâmites dos tribunais; e finalmente ao atentado anónimo, premeditado ou fortuito, mas pertinaz.

As fotos que ilustram esta posta ilustram, de modo feérico e muito expressionista, isso mesmo, um desprezo ressabiado pelo que é público. Ou então uma curiosa maneira, muito figueirinhas, de “o povo” lutar plo seu património.

São da minha rua, a antiga EN111, no muro norte da propriedade; a primeira foi um acidente há uma semanas; a segunda, mais à frente, da porta do cavalo com o seu belo brazão, foi esta semana. Ainda mais à frente existe um buraco, onde o muro faz a curva que dá acesso à vila, quase ao nível do chão, resultado decerto de mais um infeliz mas igualmente pertinaz acidente rodoviário, onde todos os dias um freguês muito caritativo vai depositar uma bandeja com despojos para os animais. À noite, os ratos do palácio devem ser aos milhares, à porta do cavalo, mui agradecidos - como o povo que se juntava no recinto do convento de Seiça, em dia de, religiosamente, pagar as rendas do convento e a côngrua, para sustento dos frades.

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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

O Maló d'Abreu e a “lição de Coimbra”


 

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O mercado de transferências está ao rubro. Maló de Abreu é a mais retumbante contratação do partido Chega. Veio do PSD a custo zero.

Maló não é um qualquer. Maló é um gajo que é doutor de Coimbrameudeus (embora se tenha licenciado em Lisboa) e chegou a ser vice-presidente do PSD e tudo, no tempo de Rui Rio. Mas desarriscou-se.

Irá agora concorrer pelo Chega no Circulo de Fora da Europa, o mesmo que o elegeu para a XV legislatura, onde foi Presidente da Comissão de Saúde, Deputado efetivo na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, Membro da Assembleia Parlamentar da CPLP e Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-África do Sul.

Mas o ponto mais alto da carreira de Maló, a sua coroa de glória, foi em 1980, quando presidiu à Associação Académica de Coimbra e decidiu retomar as tradições académicas, após onze anos de interregno decretado pelo luto académico de 1969. 

Estas santas tradições académicas consistem basicamente no retomar de velhos hábitos medievais: os estudantes (e as estudantas) vestem-se todo-o-ano, mui alegre e rigorosamente, de preto como pinguins viúvos, e infligem consentidamente aos mais novos, de forma também muito cerimonial e sistemática, todo o género de sevícias mais ou menos humilhantes. Trata-se de, num culto festivo e em transe hipnótico e colectivo, da sagração da autoridade doutoral mais arbitrária e inflexível e da subserviência mais imbecil. É muito pitoresco. Já uma vez ilustrei esta linda e vetusta tradição, aqui.

A verdade é que há universidades que se distinguem pelo seu fascínio pelas luzes, pela aventura da descoberta, pela busca do conhecimento, sei lá, algumas até pelo número de prémios Nobel. São as escolas de Atenas. Não é o caso da de Coimbra. A de Coimbra é lusapenas - desde el-rei nosso senhor D. João III. O seu traço distintivo, digamos assim, é uma irreprimível atracção pelas trevas eivada de um tão arraigado como orgulhoso apreço pela prática, a céu aberto, de costumes medievais.

Mas a lição de Coimbra e o prestígio dos seus doutores estão ainda tão vivos no coração dos pacóvios que não há parvónia luzitana ou subúrbio mal frequentado que não ambicione uma extensão de qualquer uma das suas faculdades - tal como na consciência dos eleitores de fora da Europa que vão votar no Maló e no partido Chega. Todos eles acham a treva radiosa e querem um futuro assim trajado, a condizer.

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